31 de jul. de 2021

 

BABEL BIBLIOTECÁRIA

No princípio Deus criou o bibliotecário. Disse Deus: "funda bibliotecas por todo o mundo, seleciona os documentos de melhor qualidade, organiza a informação, presta serviços de excelência e vela pelo interesse dos usuários.
Mantém atualizado o catálogo e confortável a sala de leitura, porém não escutes a Voz das Trevas, porque se o fizeres te confundirás e desaparecerás como profissional".
O bibliotecário fez tudo quanto Deus lhe pediu. Ergueu bibliotecas em belos edifícios e nelas colocou todo tipo de documento criado pelo homem para registrar a informação: tabuletas de argila, rolos de papiro ou pergaminho, tábuas de pergaminho ou papel, livros, revistas, diários e boletins impressos e toda a gama de documentos iconográficos, audiovisuais, tridimensionais e legíveis por computador, incluindo aqueles disponíveis na Internet.
Inventou e reinventou o catálogo (e com ele a recuperação da informação), que evoluiu desde as antigas bibliotecas sumárias até as bibliotecas ciberespaciais.

O mesmo sucedeu com múltiplas ferramentas e métodos de trabalho: normas de catalogação, sistemas de classificação, vocabulários controlados, a análise por facetas e a indexação pré e pós-coordenada, o serviço de referência e o de circulação, incluindo o empréstimo interbibliotecário e a comutação bibliográfica.
Capacitou as pessoas em todo o necessário para acessar a informação. Adotou normas de qualidade e definiu indicadores de desempenho específicos para as bibliotecas, com o fim de avaliar e melhorar seus processos,produtos e serviços.

Para tudo ele utilizou a tecnologia de ponta disponível em cada época e em cada lugar, desde a punção requerida para a escrita cuneiforme até o computador e as telecomunicações do século XXI.
Ergueu sua voz contra a censura e em defesa do direito de todos à informação. Elevou sua carreira aos mais altos níveis universitários, convertendo-a em uma profissão útil, nobre e digna.

Entretanto numa manhã, enquanto o bibliotecário realizava suas tarefas habituais, ouviu uma voz rouca e tenebrosa que lhe chamava: “Vem, aproxima-te".

O bibliotecário voltou a cabeça e percebeu entre incrédulo e surpreso, a visão de uma árvore seca e retorcida, de negro tronco e negros ramos.
A voz insistiu: "Vem, aproxima-te".
Temeroso, mas cheio de curiosidade, o bibliotecário se aproximou com precaução. Uma sensação sobrenatural se apoderou dele e o negro manto da noite cobriu o local, em pleno dia.
"Vem, aproxima-te, não tenhas medo" - voltou a escutar.
"É a Voz das Trevas?" - perguntou o bibliotecário com ingenuidade. "Deus me recomendou que não te escute".
"Não digas bobagens; dialoguemos e verais que esta conversa te interessa" - disse a Voz.
O bibliotecário se aproximou da estranha planta, o suficiente para ver as víboras que se arrastando pelo solo começavam a enroscar-se no tronco.
"Quem é?" - perguntou intrigante a Víbora Primeira, mostrando sua venenosa língua de duas pontas.
"Sou o bibliotecário" - respondeu este com segurança.
"Ha, ha, ha!... Pobre... Em que mundo vive? Não sabes que agora te chamas documentalista?".
"Que estás dizendo?" - interveio a Víbora Segunda - "o correto é especialista da informação ou cientista da informação".
"Gestor de informação, querida, os outros termos já eram" - interrompeu a Víbora Terceira.
"Melhor em inglês, information manager" - opinou a Víbora Quarta - "e se for chefe: "chief information officer" ou "CIO".
"Eu prefiro gestor do conhecimento, knowledge manager ou chief knowledge officer" - ajuntou a Víbora Quinta com ares de sabe-tudo.
"Mas com esses títulos, ninguém vai saber quem eu sou e o que faço". - protestou o bibliotecário".
"Precisamente, disso que se trata" - informou-lhe a Víbora Sexta -
"todo mundo se perguntará o que é que faz essa pessoa, e como ninguém gostae passar por ignorante, limitar-se-ão a dizer... Ahhh! Que interessante!".
"Bibliotecário!" - debochou com desprezo a Víbora Sétima - "Não existes! Desapareceste com o meteoro que extinguiu os dinossauros!".
Ressoavam ainda em sua mente as risadas de zombaria dos répteis interlocutores, quando o bibliotecário se deu conta de que, repentinamente,a visão havia desaparecido. Invadido pelo temor, se ocultou entre as estantes do depósito.
Dali escutou a voz de Deus que lhe chamava:

"Bibliotecáááááaáááário, onde estás?... Que fazes aí?... Por que te escondes?".
"Porque me dá vergonha que me vejam nesta profissão de idiota que tenho" - respondeu o bibliotecário, sem atrever-se a levantar a cabeça do solo.
"Quem te fez pensar que é uma profissão de idiota? Acaso prestaste atenção á Voz das Trevas?" - perguntou Deus.
"As víboras me chamaram com insistência e não pude evitar..." - murmurou covardemente.

Então, Deus se enfureceu com o bibliotecário e pronunciou seu severo castigo:
"Por haver escutado a Voz das Trevas viverás para sempre na confusão e falta de identidade.
Tirar-te-ão a Direção da Biblioteca que será ocupada por outros profissionais, ainda que não saibam nada a respeito, enquanto o público será atendido por um empregado administrativo que ganhará mais que tu.
Tu te ocuparás dos processos técnicos, e todos te farão sentir que "somente serves para fazer fichas". Quando solicitares um ajudante catalogador, te enviarão pessoal de baixa qualificação, em tratamento psiquiátrico, e nunca te comprarão um tesauro atualizado. Em média, ganharás
um salário de fome e nunca conseguirás um estatuto profissional que te proteja".
"Qualquer um virá e te dirá: "não se diz usuário, e sim, cliente" e tu o repetirás como um papagaio, ainda que tenhas deixado a vida para satisfazer ao usuário. Ou te dirão: "o paradigma da biblioteca não é a conservação mas o acesso" e tu te impressionarás com a frase, embora tenhas passado séculos facilitando o acesso.
Teu lugar de trabalho será chamado centro de documentação, centro de materiais didáticos, centro de informação ou centro de gestão do conhecimento, e quando a confusão entre todas estas organizações - que no final fazem a mesma coisa - for incontrolável, então as chamarás unidades de informação ou UI.
E é claro, a sociedade não será capaz de diferenciá-las e continuarão chamando-as biblioteca".
"Víboras nacionais e estrangeiras proporão cursos inúteis nos quais aprenderás apenas que catalogação se chama agora representação descritiva ou descrição bibliográfica e que a classificação passou a ser organização do conhecimento; termos desconhecidos para coisas que tu mesmo inventaste.
Além de ser confundido, pagarás estes cursos a preço de ouro e sairás deles sabendo o mesmo que sabias antes de inscrever-te".
"Porei inimizade entre os bibliotecários universitários e os de bibliotecas públicas e farei proliferar os cursos de Biblioteconomia de 1 a 5 anos, onde todos levarão aos mesmos cargos e salários, assim permanecerão eternamente divididos e frustrados. Jamais conseguirás estar de acordo com outro bibliotecário".
"Até que chegue o dia em que avalies seriamente tua profissão e tua própria terminologia, avalies a ti mesmo e aos numerosos bibliotecários que têm oferecido sua criativa contribuição para que, durante milênios, os seres humanos tenham podido acessar a informação. Então, se assim o fizeres e compreenderes, eu te perdoarei".
Tradução para português por Maria das Mercês Apóstolo
Revisão por Marcelo Silveira
Este texto é anônimo e foi lançado na Rede em espanhol por Ana Maria Martínez Tamayo La Plata, 1 de marzo de 2001

23 de fev. de 2021

Familia - substantivo feminino 1. grupo de pessoas vivendo sob o mesmo teto (esp. o pai, a mãe e os filhos). 2. grupo de pessoas com ancestralidade comum.


"Todas as famílias felizes se parecem, 

cada família infeliz é infeliz à sua maneira." 

Leon Tolstói


 

Entre amigos

 ENTRE AMIGOS - Nietzsche



"Um epílogo
1.
É belo guardar silêncio juntos
Ainda mais belo sorrir juntos —
Sob a tenda do céu de seda
Encostado ao musgo da faia
Dar boas risadas com os amigos
Os dentes brancos mostrando.
Se fiz bem, vamos manter silêncio;
Se fiz mal — vamos rir então
E fazer sempre pior,
Fazendo pior, rindo mais alto
Até descermos à cova.
Amigos! Assim deve ser? —
Amém! E até mais ver!
2.
Sem desculpas! Sem perdão!
Vocês contentes, de coração livre,
Queiram dar, a este livro irrazoável,
Ouvido, coração e abrigo!
Creiam, amigos, a minha desrazão
Não foi para mim uma maldição!
O que eu acho, o que eu busco —,
Já se encontrou em algum livro?
Queiram honrar em mim os tolos!
Lernt aus diesem Narrenbuche,
Wie Vernunft kommt — "zur Vernunft"!
Also, Freunde, soll's geschehen? —
Amen! Und auf Wiedersehn!
E aprender, com este livro insano,
Como a razão chegou — "à razão"!
Então, amigos, assim deve ser? Amém! e até mais ver!" F.N.

Suspiros diversos

"Alguns homens suspiraram pelo rapto de suas mulheres; a maioria, porque ninguém as quis raptar."

                     Friedrich Nietzsche – Humano, Demasiado Humano - Volume I


 

A-filhados

 

O Direito das Crianças – Ruth Rocha

Toda criança no mundo
Deve ser bem protegida
Contra os rigores do tempo
Contra os rigores da vida.

Criança tem que ter nome
Criança tem que ter lar
Ter saúde e não ter fome
Ter segurança e estudar.

Não é questão de querer
Nem questão de concordar
Os direitos das crianças
Todos têm de respeitar.

Tem direito à atenção
Direito de não ter medos
Direito a livros e a pão
Direito de ter brinquedos.

Mas criança também tem
O direito de sorrir.
Correr na beira do mar,
Ter lápis de colorir…

Ver uma estrela cadente,
Filme que tenha robô,
Ganhar um lindo presente,
Ouvir histórias do avô.

Descer do escorregador,
Fazer bolha de sabão,
Sorvete, se faz calor,
Brincar de adivinhação.

Morango com chantilly,
Ver mágico de cartola,
O canto do bem-te-vi,
Bola, bola,bola, bola!

Lamber fundo da panela
Ser tratada com afeição
Ser alegre e tagarela
Poder também dizer não!

Carrinho, jogos, bonecas,
Montar um jogo de armar,
Amarelinha, petecas,
E uma corda de pular.


Vozes da África Castro Alves

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...

(...)

Minhas irmãs são belas, são ditosas...
Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas
Dos haréns do Sultão.
Ou no dorso dos brancos elefantes
Embala-se coberta de brilhantes
Nas plagas do Hindustão.

(...)

A Europa é sempre Europa, a gloriosa!...
A mulher deslumbrante e caprichosa,
Rainha e cortesã.
Artista — corta o mármor de Carrara;
Poetisa — tange os hinos de Ferrara,
No glorioso afã!...

Sempre a láurea lhe cabe no litígio...
Ora uma c'roa, ora o barrete frígio
Enflora-lhe a cerviz.
O Universo após ela — doudo amante —
Segue cativo o passo delirante
Da grande meretriz.

.......................................

Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada
Em meio das areias esgarrada,
Perdida marcho em vão!
Se choro... bebe o pranto a areia ardente;
Talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão...

(...)

Como o profeta em cinza a fronte envolve,
Velo a cabeça no areal que volve
O siroco feroz...
Quando eu passo no Saara amortalhada...
Ai! dizem: "La vai África embuçada
No seu branco albornoz..."

(...)

Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É, pois, teu peito eterno, inexaurível
De vingança e rancor?...
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?!...

...........................................

(...)

Vi a ciência desertar do Egito...
Vi meu povo seguir — Judeu maldito —
Trilho de perdição.
Depois vi minha prole desgraçada
Pelas garras d'Europa — arrebatada —
Amestrado falcão!...

Cristo! embalde morreste sobre um monte...
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos — alimária do universo,
Eu — pasto universal...

Hoje em meu sangue a América se nutre
— Condor que transformara-se em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais... irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.

.........................................

Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p'ra os crimes meus!...
Há dois mil anos... eu soluço um grito...
Escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...

Último Fantasma.

 Último fantasma

Castro Alves

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,  
Que te elevas da noite na orvalhada?  
Tens a face nas sombras mergulhada...  
Sobre as névoas te libras vaporoso ... 
 
Baixas do céu num vôo harmonioso!... 
Quem és tu, bela e branca desposada? 
Da laranjeira em flor a flor nevada 
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! ... 
 
Onde nos vimos nós? És doutra esfera ? 
És o ser que eu busquei do sul ao norte. . .  
Por quem meu peito em sonhos desespera? 
 
Quem és tu? Quem és tu? - És minha sorte!  
És talvez o ideal que est'alma espera!  
És a glória talvez! Talvez a morte! 





Primaveras

Canção do Exílio - Casimiro José Marques de Abreu  (1839-1860)

"Se eu tenho de morrer na flor dos anos 
Meu Deus! não seja já; 
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, 
Cantar o sabiá! 

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro 
Respirando este ar; 
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo 
Os gozos do meu lar! 

O país estrangeiro mais belezas 
Do que a pátria não tem; 
E este mundo não vale um só dos beijos 
Tão doces duma mãe! 

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava 
Lá na quadra infantil; 
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria, 
O céu do meu Brasil! 

Se eu tenho de morrer na flor dos anos 
Meu Deus! não seja já! 
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, 
Cantar o sabiá! 

Quero ver esse céu da minha terra 
Tão lindo e tão azul! 
E a nuvem cor-de-rosa que passava 
Correndo lá do sul! 

Quero dormir à sombra dos coqueiros, 
As folhas por dossel; 
E ver se apanho a borboleta branca, 
Que voa no vergel! 

Quero sentar-me à beira do riacho 
Das tardes ao cair, 
E sozinho cismando no crepúsculo 
Os sonhos do porvir! 

Se eu tenho de morrer na flor dos anos, 
Meu Deus! não seja já; 
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, 
A voz do sabiá! 

Quero morrer cercado dos perfumes 
Dum clima tropical, 
E sentir, expirando, as harmonias 
Do meu berço natal! 

Minha campa será entre as mangueiras, 
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranqüilo 
À sombra do meu lar! 

As cachoeiras chorarão sentidas 
Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores 
Na terra onde nasci! 

Se eu tenho de morrer na flor dos anos, 
Meu Deus! não seja já; 
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, 
Cantar o sabiá!"



Meus Oito Anos


Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
-Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;

O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado
O mundo - um sonho dourado
A vida - um hino d'amor!

2 de dez. de 2020

Covid-19

Vida de gato

Aforismos Friedrich Wilhelm Nietzsche

Há mulheres que, por mais que as pesquisemos, não têm interior, são puras máscaras. É digno de pena o homem que se envolve com estes seres quase espectrais, inevitavelmente insatisfatórios, mas precisamente elas são capazes de despertar da maneira mais intensa o desejo do homem: ele procura a sua alma — e continua procurando para sempre. Friedrich Wilhelm Nietzsche
Alguns homens suspiraram pelo rapto de suas mulheres; a maioria, porque ninguém as quis raptar. Friedrich Wilhelm Nietzsche
Na vingança e no amor, a mulher é mais bárbara que o homem. Friedrich Wilhelm Nietzsche
O que se faz por amor sempre acontece além do bem e do mal. Friedrich Wilhelm Nietzsche

27 de ago. de 2019

Argolas

Argos espreita incansável
A solidão da noite escura
Não há consolo, há prantos vãos
Há gritos de protestos que ensurdecem
Quebrem as argolas!
Quebrem os ferrolhos!
Quebrem os contratos desumanos!


Está extinta a escravidão.


Argos continua à espreita
O dia é longo e a noite não vem


A solidão virou liberdade
Liberdade por metades
Liberdade sem bondade
Liberdade tão pesada
Bordada de grilhões

A-mor/daçado

Amor que dói
Que mói
Que vem brotando
E se contrai
Em ais

Que fragmenta
Que atormenta
Se espedaça
Se estilhaça

Difícil amar
um amor assim
Cortado, triturado
Despedaçado
Não por inteiro
Em pedaços
Meios.

Poema e Poesia

Escrevi, depois que li Rita Lee


Poema é texto
Poesia é contexto
Intertexto a “coisa-em-si”


Poema é letras
Poesia é música
Som, calma, fúria
DÓ-SOL-LÁ-MI


Poema é escrita
Poesia é imagem
Cor, visão,
imaginação do que vi


Poema é matemática
Poesia é o número Pi

Maria Zulmira

Uma singela homenagem à minha tia Maria



Quem era ela?
De quem ela era?
Foi Maria do papai
Foi Maria do tio João
Foi a Maria da tia Sinhá
Foi a Maria do Patrão


Foi Maria vai com as outras
Foi Maria prostrada ao chão
Foi Maria irmã de Marta
Foi até Maria-João


Um dia mirou por acaso
Um espelho da vida, e sem ira
Olhou, pensou, declarou:
Agora sou, apenas, Zulmira!

29 de abr. de 2018

Fluxo

Escrevi sensações, sem pensar, sem parar

Palavras que brotavam no fluxo do pensamento

No fluxo da tinha que se espalhava e borrava

No fluxo que não parava, de uma ideia que pipocava




Como água pingando do ar, como ondas do mar, o vento a soprar.

Como sangue escorrendo, da vida que esvai e acaba num ponto.

Estanquei a verborragia, sem mais verbos, só com um certeiro ponto.

Um e outro

Um Eu é verdadeiro

O outro é ficção

Um Eu é experiência

O outro é narração

Um Eu é armadilha

O outro é liberdade

Um Eu é essência

O outro é in/dignidade.

vIDA

Enquanto não conheço o George III, faço pequenas incursões pelo interior de Santa Cruz do Sul.

O combinado é nunca repetir o mesmo local.

Ontem, 28 de abril, foi a vez de conhecer o Restaurante Vulgo Vito, na Avenida Prefeito Orlando Oscar Baumhardt, 573, Linha Santa Cruz, em Santa Cruz do Sul, RS.

Os famosos aperitivos "couver artístico" estavam deliciosos; logo a seguir veio a salada da casa, perfeitíssima; em seguida o prato principal Prime Rib 60 com legumes salteados; o vinho da casa tinto, estava excelente e para finalizar, uma sopa de frutas vermelhas e o meu sempre almejado e ansiado Petit Gateau. Nunca vi tanta mesura, nunca me senti tão feliz. Celebrar a vida é o que importa, o resto é vaidade e correr atrás do vento.

Se os ventos vierem carregados de tempestades estou pronta para recebê-los com o coração tranquilo e com reverência.
Se os ventos vierem carregados de bonança, estou pronta para receber com a coluna reta e polidez concreta.
Que soprem os ventos! Que venham os ventos! Importa é o movimento, estou à espera com a mesura mais sincera e discreta.

31 de jan. de 2018

Marcos

Os mais de 10 dias que passamos entre Verona, Veneza, Firenze e Roma foram deliciosamente deslumbrantes. O termo “deslumbrante” é insuficiente para expressar tudo que sentimos. Muitas vezes as emoções transformavam-se em lágrimas em cada obra de arte renascentista, em cada arquitetura poética, em cada palácio ornamentado de temas épicos e mitológicos, em cada passo pelas estreitas ruas e vielas, em cada olhar; desde a neve distante, os montes longínquos, até as pedras que alicerçavam os monumentos, que de forma inadvertida arrancavam lágrimas que teimosamente rolavam por nossas faces, para espanto e uma certa dose de ironia, de nosso jovem e estimado guia. A elegância dos transeuntes, o sussurrar dos sons clássicos que ecoavam os becos, o verde magnífico dos jardins, até o odor de Veneza, foram motivos de júbilo, contemplação, êxtase, emoção incontida. Jamais poderemos explicar em palavras tanto prazer! Seremos gratas ao Uni-Verso de algumas pessoas tão próximas, outras tão distantes que nos proporcionaram experiências significativas, gritantes, gratificantes. “A vida entre os homens é um fogo que queima, se dele tomarmos muito; mas se tomarmos pouco, ele nos alumia.” Somos hoje, uma espécie de centelha, graças aos nossos, Marcos, iluminadores.

Poema X Poesia

Poema é texto
Poesia é contexto
Intertexto a “coisa-em-si”

Poema é letras
Poesia é música
Som, calma, fúria
DÓ-SOL-LÁ-MI

Poema é escrita
Poesia é imagem
Cor, visão,
imaginação do que vi

Poema é matemática
Poesia é o número Pi

A chuva

Chuva que cai. Chuva que esvai. - Chuva que molha a terra seca. Como um bálsamo que acalenta a dor. Alivia o deserto de uma vida seca. Chuva molhada de amor. - Chuva que cai. Chuva que vai. E se transforma . -Em mar.

30 de jan. de 2018

Imagens de um sonho

O Trabalho e os Dias

Eles eram plantadores e moedores de cana, derrubadores de mata e semeadores de mudas; eram vaqueiros, remeiros, pescadores, mineiros, e lavradores; eram artífices, caldeireiros, marceneiros, ferreiros, pedreiros e oleiros; era domésticos e pajens. Guarda-costas, capangas e capitães-do-mato; feitores, capatazes e até carrascos de outros negros. Estavam e todos os lugares: nas cidades, nas lavouras, nas vilas, na mata, nas senzalas, nos portos, nos mercados, nos palácios. Carregavam baús, caixas, cestas, caixotes. Lenha, cana, quitutes, ouro e pedras, terra e dejetos. Também transportavam cadeirinhas, redes, literas onde, sentados ou deitados, seus senhores passeavam (ou até viajavam). Eles eram, de acordo com o Jesuíta Antonil, “as mãos e os pés dos senhores de engenho”. Mas, no Brasil, os escravos fora ainda mais que isso: foram os olhos e os braços dos donos das minas; foram os pastores dos rebanhos e as bestas de carga; fora os ombros, as costas e as pernas que fizeram andar a Colônia , mas tarde, o Império. Foram o ventre que gerou imensa população mestiça e o seio que amamentou os filhos dos senhores. Deixaram uma herança profunda: em 500 anos de história, o Brasil teve três séculos e meio de regime escravocrata contra apenas um de trabalho livre. Que conseqüências teve esse legado? Onde começa e para onde conduz? Quais suas origens? Já houve que arriscasse uma explicação: “Se há um povo dado à preguiça, sem ser o português, então não sei eu onde ele existia (...) Essa gente tudo prefere suportar a aprender uma profissão qualquer”, escreveu o humanista flamengo Nicolau Clenardo, ao visitar Portugal em 1535. É elucidativo que, em Portugal, o verbo “mourejar” tivesse se tornado sinônimo de “trabalhar”. Se no Reino era assim, pior ficou no trópico. Em 1808, ao visitar o Brasil, John Luccock, um Inglês, comentou que os brancos se sentiam “fidalgos demais para trabalhar em público”. Meio século depois, Thomas Ewbank, também britânico, dizia que no Brasil, “um jovem preferia morrer de fome a abraçar uma profissão manual”. Segundo ele, a escravidão tornara “o trabalho desonroso – resultado superlativamente mau, pois inverte a ordem natural e destrói a harmonia da civilização”As críticas não eram arrogância britânica: para Luís Vilhena, mestre português que ensinava grego na Bahia, o Brasil era o “berço da preguiça” Fonte: Brasil: Uma História – Editora Ática – 1ª Edição.

Os Requintes da Crueldade

Como todas as sociedades escravocratas, também no Brasil a variedade de suplícios e castigos estipulados pelos senhores para punir seus servos foi ampla, geral e irrestrita. A punição mais comum era o açoite em praça pública, regulada pelo Código Penal. Num de seus desenhos mais conhecidos, o francês Jean Baptieste Debret, que esteve no Brasil de 1816 a 1831, retratou esse suplício e escreveu sobre ele: “O povo admira a habilidade do carrasco que, ao levantar o braço para aplicar o golpe, arranha de leve a epiderme, deixando-a em carne viva depois da terceira chicotada. Conserva ele o braço levantado durante o intervalo de alguns segmentos entre cada golpe, tanto para contá-los em voz alta como para economizar forças até o final da execução. O chicote, que ele mesmo fabrica, tem sete ou oito tiras de couro bastante espessas e bem retorcidas. Esse instrumento contundente nunca deixa de produzir efeito quando bem seco, mas, ao amolecer, pelo sangue, precisa o carrasco trocá-lo, mantendo para isso cinco ou seis a seu lado, no chão (…). Embora fortemente amarrado ao “pau de paciência”, como se chama o pelourinho, a dor dá-lhe tanta energia que a vítima encontra forças para se erguer nas pontas dos pés a cada chicotada, movimento convulsivo tantas vezes repetido que o suor da fricção do ventre e das coxas da vítima acaba polindo o pelourinho. Entretanto, alguns condenados (e esses são temíveis) demonstram grande força de caráter, sofrendo em silêncio até a última chicotada. De volta à prisão, a vítima é submetida a uma segunda prova, não menos dolorosa: a lavagem das chagas com vinagre e pimenta e grande quantidade de sal. “Essas penas, de 50 a 200 chibatadas, são rigorosas, mas há outras bárbaras, como a que condena à morte o chefe de quilombos: são 300 chibatadas ao longo de vários dias. No primeiro, ele recebe cem, à razão de 30 por vez. A última execução abre chagas já profundas e ataca as veias mais importantes, provocando uma tal hemorragia que o negro sucumbe”. Faltas “menos graves” eram punidas com palmatória, cujas pancadas podiam chegar a 200: com o tronco que, segundo Debret, provocava “mais tédio do que dor”; ou com a gargalheira, colar de ferro com vários ganchos que facilitava a captura de escravos fujões. A primeira fuga era punida com a marcação, por ferro em brasa, de um F no rosto ou no ombro do escravo. Na segunda tentativa, o fugitivo tinha uma orelha cortada e, na terceira, era chicoteado até a morte. Outras “faltas graves”, além de fuga, podiam ser punidas com a castração, a quebra dos dentes a martelo, a amputação dos seios, o vazamento dos olhos ou a queimadura com lacre ardente. Houve casos de escravos lançados vivos nas caldeiras ou passados na moenda, além daqueles que, besuntados de mel, foram atirados em grandes formigueiros. O estudo mais aprofundado dos castigos revela que não eram aplicados para “corrigir” o escravo (mesmo porque, muitas vezes não se sobrevivia a els), mas para semear o terror entre os que eram forçados a assistir aos suplícios. As punições eram, em geral, aplicadas por outros escravos – atrás deles, porém, ficava o feitos, sempre pronto a punir qualquer brandura ou esmorecimento por parte do carrasco. Durante 300 anos, o castigo foi uma peça básica para a manutenção de engrenagem escravocrata. Imagens-Fonte: http://migre.me/7uJTO