5 de nov. de 2009

Uma traição inqualificável - Luis Buñuel

"(...)
Abri a janela.

O vento, grotesco, embateu contra as paredes e meteu o nariz por todo o lado. Onde causou verdadeiro terror foi no cesto dos papéis; descansavam tranquilos e, ao darem pela presença do monstro, assustados, endoidecidos, treparam uns por cima dos outros, fizeram remoinho e fugiram em todas as direções, açoitando-se no balde e debaixo do armário.
É que o vento é o gato dos papéis.
Francamente: fiquei mosca com tanta informalidade e tão pouco interesse em folhear a minha obra, pelo que o admoestei com severidade. Então, fingindo o maior cuidado, revistou milhares de cartas de papel, fazendo-as estralejar como um baralho de cartas; subitamente, lançou-as ao espaço, num ápice, todas de um só vez, através da janela estupefacta, que abria a boca de assombro, e saiu atrás delas.
Fiquei pasmado, insensível, desencadernado para sempre. Levara a minha obra! A minha mais definitava obra voava a caminho do horizonte, convertida em gaivota!"
(...)

Luis Buñuel

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