"...para terminar. Talvez eu apenas quisesse confiar ou confirmar meu gosto pela literatura, mais precisamente, pela escrita literária. Não que eu ame a literatura em geral nem que a prefira ao que quer que seja, por exemplo, como pensam muitas vezes aqueles que não discernem por fim nem uma nem outra com relação à filosofia. Não que eu queira reduzir tudo a ela, e menos ainda a filosofia. No fundo, passo sem a literatura, de fato, com bastante facilidade. Se precisasse me retirar para uma ilha, no fundo seriam os livros de história, de memórias que provavelmente levaria comigo e que leria à minha maneira, talvez para deles fazer literatura, a menos que fosse o inverso, e isso seria verdadeiro a respeito dos outros livros (arte, filosofia, religião, ciências humanas ou naturais, direito etc.). Entretanto, se, sem amar a literatura em geral e por ela mesma, amo alguam coisa nela que não se reduz de modo algum a uma qualidade estética, a uma fonte de fruição formal, isso seria em lugar do segredo. Em lugar de um segredo absoluto. Aí estaria a paixão. Não há paixão sem segredo, este segredo, mas não há segredo sem paixão. Em lugar do segredo: aí, entretanto, onde tudo está dito e o resto nada mais é senão o resto, nem mesmo literatura......A solidão, o outro nome do segredo do qual o simulacro ainda presta testemunho, não é nem da consciência, nem do sujeito, nem do Dasein, nem mesmo do Dasein em seu poder-ser autêntico, cujo testemunho ou atestatado Heideger analisa. Ela os torna possíveis, mas o que ela torna possível não põe fim ao segredo. Este não se deixa levar nem encobrir pela relação com o outro, pelo estar-com ou por alguma forma de 'laço social'. Embora os torne possíveis, ele não responde a isso, ele é o que não responde. Nenhuma responsiveness. Será isso chamado a morte? A morte dada? A morte recebida? Não vejo razão alguma para não chamar isso a vida, a existência, o rastro. E não o contrário.....Eis que resta, segundo Derrida, a solidão absoluta de uma paixão sem martírio.
O segredo permanece inteiro, minha cortesia, intacta, minha reserva, intocada, meu pudor, mais ciumento do que nunca, respondo sem responder (ao convite, a meu nome, à palavra ou ao apelo que diz "eu"), vocês nunca saberão se falo de mim, este eu aqui, ou de um outro eu, de um eu qualquer ou do eu em geral, de você ou de vocês, deles, delas ou de nós, se esses enunciados são concernentes à filosofia, à literatura, à história, ao direito ou a qualquer outra instituição identificável. Não que essas instituições sejam alguma vez assimiláveis (isso foi bastante dito e quem poderia contradizê-lo), mas as distinções às quais se prestam somente se tornam rigorosas e confiáveis, estatutárias e estabilizáveis (ao longo de uma história enorme, com certeza) a fim de dominar, ordenar, fazer parar esta turbulência, a fim de poder decidir, a fim de poder em suma. É disso, é para isso que a literatura (entre outras coisas) é 'exemplar': ela é, diz, faz sempre outra coisa, uma coisa diferente dela mesma, ela mesma que, aliás, é apenas uma coisa diferente dela mesma. Por exemplo ou por excelência: filosofia. DERRIDA, Jacques. Paixões. Campinas: Papirus, 1996. 62p.
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